Opinião
Um sério apelo a Montanelli
Nenhuma morte pode ser menor do que eventuais transtornos causados aos motoristas pelo fim daquele cruzamento
Divulgação -
A morte de Camila Macedo, aos 23 anos, pesa sobre os ombros de todos nós. Demoramos todos - ou quase todos - a descobrir o óbvio: o cruzamento da Armando Sica com a Fernando Osório é uma aberração. Um contrassenso capaz de causar medo, de ferir e, infelizmente, até de matar.
Morre-se sozinho, sempre - e Camila morreu solitária no avesso da contramão, precocemente, atrapalhando o tráfego (*).
Mata-se, porém, muitas vezes, em grupo. E por omissão.
Qualquer um de nós que tenha precisado passar pelo dito cruzamento da Armando Sica com a Fernando Osório certamente se deu conta, talvez não tão detalhadamente, destas seis situações/possibilidades:
1) Os veículos seguindo pela Fernando Osório em direção à Praça do Colono e passando pela esquina da Armando Sica;
2) Os veículos na Fernando Osório, em direção à Praça do Colono, que dobram à direita e entram na Armando Sica;
3) Os veículos na Fernando Osório, mas em sentido oposto, que vão para a Curva da Morte;
4) Os veículos na Fernando Osório, em direção à Curva da Morte, mas que podem dobrar à esquerda e entrar - sim, inacreditavelmente - na Armando Sica;
5) Os veículos que saem da Armando Sica e dobram à direita na Fernando Osório;
6) E a pior delas: os veículos que saem da Armando Sica e entram - porque podem, inacreditavelmente - na Fernando Osório à esquerda, atravessando a pista, em direção à Curva da Morte.
Em um simples cruzamento, seis possibilidades. Na última elencada, sair da Armando Sica para entrar à esquerda na Fernando Osório, torna-se impossível ao motorista passar pela primeira pista da avenida e parar, por exemplo, no meio do caminho, entre uma pista e outra. Se optasse por isso, ficaria com uma parte do veículo em cada pista, aumentando ainda mais o risco de acidentes.
Nenhuma morte (ou até mesmo o maior risco dela) pode ser menor do que eventuais transtornos causados aos motoristas pelo fim daquele cruzamento. Completar o meio-fio da Fernando Osório e acabar com a possibilidade de vir da avenida, sentido bairro-Centro, e dobrar na Armando Sica, bem como, logicamente, com a de sair da Armando Sica e dobrar à esquerda na Fernando Osório é a única solução, viável e a baixo custo, para evitar que mais acidentes e mortes ocorram ali.
Em entrevista ao Diário Popular, o secretário de Transportes e Trânsito, Cláudio Montanelli, apelou com razão ao bom senso dos motoristas e afirmou que a sinalização no local foi reforçada há pouco tempo. Não mentiu. O cruzamento é, de fato, bem sinalizado. Mas mal planejado. Tremendamente mal planejado, ilógico e perigoso. Importa, antes de tudo, reduzir o risco de morte, não apenas sinalizá-lo, indicá-lo.
O carro da Secretaria Estadual de Saúde em que Camila Macedo bateu de motocicleta estava, de acordo com as imagens, errado. Havia avançado a Fernando Osório. Mais erradas, contudo, e como se disse, são as seis possibilidades naquele cruzamento. Diminuí-las é dar mais segurança a todos no trânsito.
Se Montanelli apelou ao bom senso dos motoristas, aqui, como motorista e cidadão, faço um apelo - e certamente em nome de muitos - ao bom senso (que sei existir) do secretário: por favor, Montanelli, feche o meio-fio da Fernando Osório naquele cruzamento. E diminua o alto risco de acidentes.
Camila Macedo morreu e deixou um filho de três anos. Um menino crescerá sem a mãe. E nada mudará este futuro de tanta ausência. Mas que dessa morte, dolorosa e única, a pesar sobre todos nós, um novo capítulo, menos triste e trágico, possa ser escrito.
(*) Breve referência à música Construção, de Chico Buarque, em que, entre outras coisas, fica implícita a força muitas vezes desumanizadora (e mortal) do sistema.
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